Vivemos
um momento em que se poderia afirmar que a repressão sexual anda bem mais frouxa
do que nos dias de Freud. Entretanto, isso não indica que seja mais fácil para
o sujeito contemporâneo lidar com as questões relacionadas à sexualidade. Para além de toda repressão exercida pelo
campo social, o que está em questão para o sujeito é sua relação com o desejo
inconsciente, um desejo imperioso e indestrutível que insiste em se satisfazer
por meio do sintoma, do sonho e da fantasia. Foi a partir da escuta de mulheres
histéricas que Freud concluiu que a realidade do inconsciente é a realidade
sexual e, portanto, do desejo. O mesmo acentua Lacan, no seminário sobre os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise, ao indicar que “a pulsação do
inconsciente está ligada à realidade sexual. Esse ponto se chama desejo.”[1]
Freud
situou a sexualidade fora do biológico quando a definiu como um conjunto de
atividades sem ligações com os órgãos genitais. Com isso, ele fez coincidir a
sexualidade com o próprio campo das Pulsões de Vida, sendo sua finalidade a
busca por satisfação, ainda que de forma parcial. O sexual na psicanálise
abrange a possibilidade do sujeito investir sua libido em várias direções: no
trabalho, nas amizades, na vida erótica como um todo e também no amor. Levar o
sujeito a ser capaz de amar e trabalhar melhor: não é esta a finalidade da
análise proposta por Freud? Não seria este o fundamento de todo laço social?
Em
“O mal estar na civilização” (1930), Freud nos ensina que é obra de Eros
o estabelecimento e a manutenção dos laços afetivos que sustentam o processo
civilizatório.[2]Em
1914, no importante texto “Sobre o narcisismo”, o autor já havia constatado que, "Em última análise, precisamos amar para não adoecer".[3]
O amor, em última instância, é o que nos mantém ligados libidinalmente ao
outro, possibilitando a manutenção dos vínculos afetivos. O trabalho, muito além
de garantir o sustento, dá um lugar para o sujeito no tecido social.
Em seu seminário sobre a angústia, Lacan salienta que “Só o amor
permite ao gozo condescender ao desejo”[4],
indicando assim que o amor funciona como um laço capaz de estabilizar as relações
do sujeito com os objetos do desejo.[5]
O amor está situado entre o gozo e o desejo, indicando o impossível da relação
sexual. Se na análise de sujeitos neuróticos há uma reconciliação deste com o
gozo, é na medida em que ele é alcançado apenas em sua parcialidade tendo em vista
que, tal gozo em sua plenitude, lhe é interditado.
O amor de que Lacan trata em seus seminários tem a função de velar
o real implicado na interdição ao gozo, advindo, portanto, como suplência da
inexistência da relação sexual. É pela via do amor que o sujeito advém como
desejante, pois, para amar, é necessário que o sujeito tenha se apreendido como
falta. É porque algo lhe falta que o sujeito é capaz de amar. Por
outro lado, se “só o amor permite ao gozo condescender ao desejo”, podemos
inferir que o amor funciona como um mediador que permite que a fração de gozo que
cabe ao sujeito seja veiculada na dialética do desejo.
Concluindo, quero ainda destacar que ao contrário do que se possa
imaginar, a ética da psicanálise não é a ética do gozo ou da promessa de
felicidade plena. A visada ética da psicanálise é que o sujeito se depare com
seu desejo e seja capaz de se responsabilizar por ele.[6] Na clínica, cabe
ao analista ocupar
um lugar livre de preconceitos e concepções sobre uma análise ideal,
abandonando quaisquer padrões de cura ou felicidade. O analista deve se colocar
na posição de “semblante” do objeto de desejo do sujeito – objeto a - para tentar introduzi-lo na ordem do
desejo.
NOTAS
[1] LACAN, J. (1964-1965)Seminário11
Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008, p. 148.
[2] FREUD, S. (1930)
O mal estar na cultura. Buenos Aires:
Amorrortu editores, Vol. XXI, p. 117.
[3] FREUD, S.
(1914)Sobre o narcisismo: uma introdução.
Buenos Aires: Amorrortu editores, Vol. XIV, p. 82.
[4] LACAN J. (1962-1963)
Seminário 10 – A angústia. Rio de
Janeiro: Zahar, 2005,p. 197.
[5]JORGE, M.A.C. Amor, desejo e gozo em Freud e Lacan, disponível em
www.macjorge.pro.br .
[6] LACAN, J. (1959-1960) O Seminário livro 7 -A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 355-356.