Introdução:
A primeira
referencia ao termo “desejo do analista”
é encontrada no escrito “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”,
onde Lacan nos oferece uma belíssima exposição a respeito do que vem a ser o
ofício do psicanalista.
Lacan inicia seu
trabalho afirmando que “O analista
certamente dirige o tratamento. O primeiro princípio desse tratamento (...) é o
de que não deve de modo algum dirigir o paciente” (Lacan, 1958/1998 p. 592). Com essa frase Lacan coloca o ser do
analista no centro da questão relacionada à formação, destacando qual posição
este deve ocupar frente ao analisando.
Se para Lacan o
analista dirige o tratamento e o não o paciente, seus valores morais, seus
preconceitos, formação cultural, assim como suas crenças devem ser excluídas da
operação analítica.
Com o objetivo de
definir critérios éticos para a formação do analista, Lacan levanta questões em
torno da posição do analista, seu desejo e sua relação com a angústia. No
seminário sobre a angústia afirma que, um analista quando inicia sua prática
por mais que tenha uma boa disposição para ser analista é atravessado pela
angústia à medida que precisa ocupar um lugar de semblante de objeto – de
objeto a – de modo a fazer emergir o
desejo do analisante. É essa angústia que precisa ser suportada e regulada ao
longo da formação clínica. (Lacan, 1962-63/2005 p. 13).
Por essa
perspectiva, procura delinear qual a função da angústia no tratamento, ao mesmo
em que destaca as relações entre os analistas e esse afeto, que segundo Lacan,
não parece preocupá-los.
1-
O desejo do analista e a angústia
A noção de desejo do
analista ao ser delineado por Lacan trás uma importante contribuição para se
pensar a respeito da formação do analista, mas entendemos que seus fundamentos
já haviam sido introduzidos por Freud principalmente em seus escritos sobre a
técnica.
O que Freud nos
ensina com sua experiência é que o ser do analista não é de nenhuma maneira,
exterior ao campo psicanalítico, por isso a história da psicanálise está
entrelaçada com a história de seu criador. Evidencia-se então, que o analista
ao se constituir como herdeiro desse lugar simbólico instituído por Freud, deve
estabelecer uma transferência com a psicanálise, onde seu próprio ser é
colocado em jogo dia a após dia.
O desejo do analista
difere do desejo inconsciente. O desejo inconsciente é constituído nas origens
do sujeito e, portanto é indestrutível, enquanto que o desejo do analista
precisa ser renovado a cada dia na experiência psicanalítica. Por essa razão
Lacan é enfático quando afirma que o analista paga por ser analista. Paga com
sua palavra quando esta tem o efeito de uma interpretação, com sua pessoa na
medida em que se coloca como suporte dos fenômenos suscitados pela
transferência, e por fim, paga com seu juízo quando toma a decisão de ser um analista, compreendendo que é por
aquilo que ele é e não pelo que diz
que se processa a cura no tratamento. Em outras palavras, o analista paga com
sua castração, ao se recusar utilizar a sugestão como forma de fazer avançar o
tratamento. (Lacan, 1958/1998 p. 593).
No Seminário X - A
angústia, Lacan destaca que a angústia surge quando há uma relação ao nível do
desejo. Lacan introduziu a angústia como sendo a presença enigmática do desejo
do Outro, um desejo que interroga o sujeito na raiz mesma de seu próprio desejo
como a, ou seja, como causa desse
desejo e não como objeto. (Lacan, 1962-63/2005 p. 169).
Ao falar sobre o
desejo do analista, Lacan estabelece uma perspectiva ética fundamental ao
psicanalista que é ser causa de desejo. O desejo do analista faz com que o
analista se coloque na posição de semblante
do objeto de desejo do sujeito – objeto a
- para tentar introduzi-lo na ordem do
desejo. Quando o analista ocupa seu lugar, quando este se coloca na posição de
dejeto e faz semblante de objeto a,
ele permite que o sujeito do inconsciente tome-o por seu objeto de desejo
(objeto a).(Lacan, 1962-63/2005 p. 115).
A perspectiva ética
da formação do analista aponta que o desejo do analista é uma função que se constitui a partir da
análise do próprio analista, de sua experiência com o inconsciente em sua
própria análise e fundamentalmente com o encontro do real. É a travessia da
fantasia, e consequentemente o encontro com o real que permite que o analista
passe pela experiência de destituição
subjetiva. Portanto, o desejo do analista é um desejo sem objeto, por
que não visa a nenhuma satisfação pessoal ou narcísica. É uma função que faz
funcionar o trabalho analítico, pois, ao ocupar um lugar vazio, o analista
permite que o desejo do analisante possa aparecer. Por essa ótica, o desejo do
analista – como desejo daquele que se propõe a dirigir um tratamento
psicanalítico - difere do desejo do neurótico, pois coloca em evidencia a
falta-a-ser do analista, falta que está para além da demanda endereçada ao
analista pelo analisante. (Lacan, 1958/1998 p. 635). O analista deve ter em
mente que a ética da psicanálise não está
forjada segundo os ideais de conduta moral ou de felicidade, devendo estar
centrada no desejo inconsciente, o que implica no abandono de qualquer promessa
de felicidade. É uma ética que permite ao sujeito reconhecer-se como desejante,
e que possibilita a travessia da angústia. (LACAN, 1959-1960/2008
p. 355-356). Por essa perspectiva,
a angústia que surge da parte do analisante tem a função de ser o motor da
análise. É quando a angústia aparece do lado do analisante que um saber pode
ser constituído a partir de um trabalho de elaboração da análise. Como adverte
Lacan, esse é um momento crucial, onde o analista deve nodular a sua própria
angústia e se privar de fazer uso de qualquer sugestão, ocupando, assim, um
lugar de falta para o sujeito,
suspendendo o desejo de curar.
Lacan adverte que o
analista não está livre de experimentar certos sentimentos em relação aos seus
pacientes. Coloca que o analista pode ser “intimado a justificar todos os seus
sentimentos” perante si e ao sujeito com quem está engajado numa “empreitada
analítica”. O perigo, segundo Lacan, é que o analista faça da interpretação uma
confissão a respeito de sua angústia. A angústia sinaliza para o analista a
existência de outro desejo, que não é o desejo do analista. (Lacan,
1962-63/2005 p. 157-159).
Conclui-se, portanto
que a angústia do lado do analista tem a função de denunciar a presença de um
desejo inconsciente, que poderá impedir o percurso analítico do paciente. O
analista ao querer o bem para o analisante transforma-o em seu objeto de
desejo, passando a intervir sugestivamente de forma a preencher o vazio, a
falta constituinte do sujeito. O desejo do analista, por sua vez,
deve ser sustentado na experiência do criador da psicanálise, no sentido de
permitir a construção de uma saber a partir da escuta analítica, possibilitando
um avanço em direção às origens do sintoma que permita a travessia da fantasia.
A capacidade de
escuta do analista está, pois ligada à sua própria trajetória na análise. Lacan
coloca que a análise do analista é que vai capacitá-lo a suportar a
transferência do analisante, as demandas a ele endereçadas sem se enrascar com
sua própria (contra) transferência, que para Lacan é a expressão das
resistências por parte do analista. É nesse momento que a angústia pode emergir
do lado do analista impedindo que ele ocupe a função que lhe corresponde.
Referencias
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(1912) Recomendações aos médicos que
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