domingo, 22 de abril de 2012

FREUD: DO CAMPO MÉDICO AO CAMPO PSICANALÍTICO


Ao lermos as primeiras publicações psicanalíticas podemos verificar o empenho de Freud em fazer com que o campo médico reconhecesse a importância dos fenômenos subjetivos na etiologia das doenças nervosas. Nessa época, sob a influência de Charcot, Freud começa a tratar seus pacientes através do método catártico fazendo uso do hipnotismo e da sugestão como forma de fazer desaparecer os sintomas. O abandono do método catártico deu-se a partir da descoberta da existência de uma sobredeterminação psíquica na gênese das neuroses, ou seja, uma multiplicidade de fatores psíquicos que determinam seu surgimento.
            Freud relata que a transformação do método catártico (sugestivo) em psicanálise foi possível a partir da descoberta de novos fatores, tal como nos informa:

Entre os outros fatores que foram acrescentados ao processo catártico como resultado de meu trabalho e que o transformou em psicanálise, posso mencionar em particular a teoria do recalque e da resistência, o reconhecimento da sexualidade infantil e a interpretação e exploração de sonhos como fonte de conhecimento do inconsciente. (FREUD, 1914 p.25).

           Os conceitos acima mencionados foram construídos a partir das análises efetuadas por Freud em sua clínica e constituem os pressupostos que sustentam a metapsicologia freudiana. Destacamos que foram os equívocos e os insucessos experimentados nos primeiros anos de sua prática, que permitiram a Freud se interrogar sobre a natureza dos fenômenos que presenciava a cada encontro com seus pacientes.
            Conclui-se, portanto, que há uma especificidade própria no campo psicanalítico que é indissociável da experiência. A experiência freudiana e a predominância de seu desejo constituem-se como a pedra fundamental sobre a qual foi construída a metapsicologia freudiana.
           A construção do campo psicanalítico deu-se a partir do gradativo afastamento de Freud do modelo médico, seguido do luto pelos ideais que permeiam esse campo, e seu avanço no sentido de aprofundar suas pesquisas a respeito do aparelho psíquico humano. O desejo de saber de Freud foi o ponto de partida para a construção do campo psicanalítico e nesse sentido, Cottet assevera que considerar o desejo de Freud como sendo à base de sua construção teórica não invalida seu discurso, e que, a dependência de cada psicanalista em relação a esse desejo é que pode evitar a crescente degradação de seus conceitos.
Nota-se, portanto, que a especificidade do campo psicanalítico encontra-se ligada ao ser do próprio analista e à dimensão de sua experiência, enquanto herdeiro do desejo do criador da psicanálise.
            O que diferencia o campo psicanalítico do campo médico é a dimensão da experiência, pois é a partir do encontro singular entre o psicanalista e seu analisando que um saber pode vir a se constituir num a posteriori. Freud nos ensina que a experiência psicanalítica não se dá a partir de um saber já instituído e tomado como universal. O campo médico, por sua vez, por ser regido pelas leis da ciência, coloca-se como detentor de uma verdade universal.
            A ética própria ao campo psicanalítico, tal como Freud a concebeu, faz com que o analista escute o sujeito a partir de seu inconsciente permitindo que um saber se constitua do lado do sujeito, ao mesmo tempo em que este é levado a se responsabilizar pela posição que ocupa perante a vida.
          Entretanto, é necessário que o analista passe pelo mesmo processo vivenciado por Freud, tal como afirma Leite, “de desconstrução dos ideais previamente estabelecidos, e das formas que se coloquem como absolutas”, distanciando-se da “lógica presente no campo médico e, conseqüentemente, com uma dada moral presente no campo cultural de sua época”.

Referencias:
COTTET, Serge. Freud e o desejo do psicanalista. Rio de Janeiro: J. Zahar. 1989.
ELIA, Luciano. Psicanálise: clinica & pesquisa in: ALBERTI, Sonia e ELIA, Luciano (orgs) Clínica e pesquisa em psicanálise. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2000.
FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
_________.(1914) A história do Movimento Psicanalítico. Vol. XIV.
_________. (1919) Linhas de processo na terapia analítica. Vol.XVII
_________. (1912) Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Vol.XII.
_________. (1933) Análise terminável e interminável. Vol.XXIII.
 LEITE, Sonia. Considerações sobre a experiência psicanalítica. Acheronta Revista Psicoanálisis e Cultura. Vol. 9. Julho/1999. Disponível em www.acheronta.org