sábado, 18 de junho de 2011

LACAN E A FORMAÇÃO DO PSICANALISTA

Lacan aborda a questão da formação dos analistas por um viés extremamente crítico. Em seu artigo “Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956”, aponta os caminhos de uma formação válida ao mesmo tempo em que critica a formação que era oferecida nas instituições psicanalíticas ligadas à IPA. Nesse artigo condena a ausência de rigor conceitual presente na literatura analítica e a curiosa posição de extraterritorialidade do ensino da psicanálise por ter se tornado metódico, estacionário e estéril. O ensino da psicanálise havia se tornado uma espécie de doutrina contrária a uma exploração científica aberta.

Movido por tais questões Lacan propõe um retorno a Freud capaz de propiciar um ensino digno desse nome, pois considera essa via como única formação que podemos transmitir aqueles que nos seguem. Ela se chama: um estilo. (Lacan, 1957 p.460).

Um ensino digno do nome de Freud é o que tem por efeito próprio evocar a falta. Logo, o estilo proposto por Lacan teria como marca o posicionamento do psicanalista em sua relação com o saber, pois o psicanalista ao ensinar deve fazê-lo a partir da posição de sujeito barrado ($) tornando possível a emergência da falta e não da posição de Mestre. O discurso do analista sustenta um ensino onde o saber não se constitui como verdade absoluta, ao mesmo tempo em que torna possível que o desejo de prosseguir com a formação analítica possam advir. (Lacan, 2003 p. 307-308).

O psicanalista Antonio Quinet assinala no artigo “O estilo, o analista e a escola” que o analista opera a partir de seu estilo através do qual ele sustenta o desejo do analista, sendo este o operador lógico de todo processo analítico. Por sua vez, Lacan considera que o desejo do analista é uma função que se constitui a partir da análise do próprio analista, de sua experiência com o inconsciente em sua própria análise.

No escrito “Alocução sobre o ensino” Lacan, (2003), afirma que o analista ao ensinar, o faz a partir de sua experiência com o inconsciente enquanto psicanalisante. A análise pessoal se constitui, portanto, como única via possível para a formação, cabendo ao analista autorizar-se de si mesmo quando se propõe a transmitir a psicanálise. Com esta proposição Lacan amplia a questão da formação para além do tripé freudiano, lançando sobre os analistas a responsabilidade em sustentar um desejo absolutamente singular: o desejo do analista. (Lacan, 2003 p. 248).

Consideramos que o analista, com seu estilo, deve sustentar o desejo de transmitir a psicanálise segundo os dispositivos que operam na formação do analista – análise pessoal, estudo teórico e supervisão – no âmbito da Instituição psicanalítica (psicanálise em intenção). Entretanto, Lacan na “Proposição de nove de outubro de 1967” salienta que a Escola ao formar analistas não faz mais do que preparar operadores para a psicanálise em extensão, deixando claro que existem operadores na formação do analista que sustentam a presença da psicanálise no mundo. Lacan salienta que existe uma continuidade entre a psicanálise em intenção e a psicanálise em extensão exemplificada na topologia moebiana do oito interior, onde não há dentro e fora, mas sim um movimento contínuo, tal como indica: “é no próprio horizonte da psicanálise em extensão que se ata o círculo interior que traçamos como hiância da psicanálise em intensão” (Lacan, 2003 [1967], p.261).

REFERÊNCIAS:
 
LACAN, J. A psicanálise e seu ensino in Escritos. Rio de Janeiro: Zahar. 1998.


LACAN, J. Alocução sobre o ensino in Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar. 2003.

________. Proposição de nove de outubro de 1967 sobre o psicanalista da escola in Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar. 2003.

________. O Seminário livro 17 – O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar. 1992.

LEITE, Sonia. Formação e transmissão - o que nos ensinam os escritores e os poetas? disponível em: www.psikeba.com.ar/articulos/SL_escritores_poetas.htm.

QUINET, Antonio. O estilo, o analista e a escola disponível em: www.lacan.orgfree.com/artigos.