domingo, 19 de setembro de 2010

APODERAMENTO E MUDANÇA SOCIAL: algumas considerações sobre a psicologia sócio-histórica


A inserção do psicólogo em novos espaços é uma demanda crescente no Brasil, principalmente no que diz respeito ao trabalho relacionado às problemáticas sociais onde o profissional se vê diante do cotidiano da população tendo como desafio orientar sua prática em torno das questões trazidas pelas pessoas da comunidade. (Freitas, 1998 p.2).

Precisamos salientar que a prática do psicólogo na comunidade muitas vezes está orientada pelos valores pessoais do profissional assim como de sua visão de homem e de mundo, levando-o a intervir de forma diretiva, alterando a realidade daquela população sem se permitir entrar em contato com a diferença do outro, que se apoderem com suas questões e seus desejos. O psicólogo inserido na comunidade deve ser orientado pelas necessidades e demandas levantadas pela população, concedendo a estas pessoas o direito de manifestar sua identidade.

A inserção do psicólogo na comunidade deve proporcionar que as pessoas que ali habitam se tornem participantes ativos e capazes de avaliar sua realidade e determinar quais as mudanças julgam como sendo necessárias naquele contexto. Toda proposta de intervenção em comunidades deve ser elaborada em conjunto com a população, levando-a a se posicionar diante de sua realidade. A tomada de posição a que nos referimos não é simplesmente a de tomar consciência dos problemas existentes na comunidade, mas acima de tudo deve haver um entendimento do papel a ser desempenhado por cada um dentro daquele contexto, de forma a produzir as transformações necessárias.

O objetivo da psicologia sócio-histórica é trabalhar a visão que a população da comunidade tem a respeito de si e do mundo que a cerca, colaborando com o desenvolvimento de uma consciência crítica ao mesmo tempo em que possibilita que essas pessoas se tornem potentes e capazes de lutar por seus direitos e de viabilizar as mudanças em seu contexto social. (Freitas, 1998 p.6).

A psicologia sócio-histórica é um poderoso instrumento na construção de comunidades mais conscientes, mais participativas e emancipadas do ponto de vista social. Sua pratica diferencia-se radicalmente de outras propostas assistencialistas, pois busca uma inserção na comunidade com o objetivo de produzir entre a população uma análise de suas necessidades que culmine no estabelecimento de alternativas de ação capazes de levar as pessoas a enfrentaram seus problemas cotidianos e de construírem uma identidade mais humana.

É extremamente importante a inserção de psicólogos sociais que desenvolvam projetos cujo objetivo seja o de contribuir para a produção de conhecimento conjunto entre os membros da comunidade, com o desenvolvimento de suas potencialidades, possibilitando que a população se apodere das suas questões sendo capazes de desenvolver ações capazes de produzir transformação em sua realidade social.


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A ANGÚSTIA E A ESTRUTURAÇÃO DO EU EM MELANIE KLEIN

Melanie Klein (1882-1960) fundamentou sua teoria na observação do bebê em seu primeiro ano de vida, o que a resultou na identificação de situações de angústia profundas e poderosas nas fazes iniciais do desenvolvimento mental. Podemos afirmar que ela elegeu como tema central em sua obra a angústia e as defesas criadas pelo ego contra a mesma. Para a autora a angústia e sua resolução são pré-requisitos do desenvolvimento.

De modo contrário a Freud que privilegiou a libido, Melanie Klein tomou como foco a agressividade e sua influência no desenvolvimento psíquico do sujeito. Em seu artigo “A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego” escrito em 1930, afirma que “O excesso de sadismo dá origem a angústia” (p.252), determinando assim, que a angústia tem sua origem no excesso de agressividade experimentado pelo bebê nos primeiros meses de vida. Neste mesmo artigo explica que o ego é obrigado a lidar com a angústia que advêm desse excesso pulsional, tendo que dominá-la e que para isso cria mecanismos defensivos. Nesse estágio, para se defender o ego expulsa de si a agressividade e dirige-a contra o objeto com a intenção de destruí-lo. No entanto nesse percurso a agressividade se torna a própria fonte de perigo, pois ao liberar a angústia, estabelece-se o medo da retaliação por parte do objeto atacado. A autora conclui que é essa angústia inicial que põe em movimento o mecanismo de identificação, impulsionando o bebê a avançar para outra posição em seu desenvolvimento mental. (Melanie Klein, 1930 p.252).

Melanie Klein (1930 p.253) acreditava que a capacidade do ego se relacionar com a realidade está intimamente ligada ao grau de tolerância deste ao lidar com a pressão causada pelas primeiras situações de angústia, sendo que “uma certa quantidade de angústia é a base necessária para que a formação de símbolos e a fantasia ocorram em abundância” . Percebemos como a autora coloca a angústia em uma posição central em relação ao desenvolvimento psíquico do sujeito. Neste contexto notamos uma similaridade entre o pensamento de Melanie Klein e Freud no que tange a importância do fator quantitativo de excitação que o eu é capaz de suportar e sua relação com o surgimento da angústia. É importante frisar também que a autora, assim como Freud, coloca a angústia como sendo promotora de mecanismos defensivos. Os mecanismos defensivos utilizados pela criança em seu estágio inicial de desenvolvimento são atualizados em sua vida adulta à medida que o sujeito vivencia situações geradoras de angústia. Essa idéia é desenvolvida em 1940 no artigo intitulado “O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos” onde Melanie Klein deixa claro que a forma como o bebê reage aos lutos, ou seja, às perdas é determinante em sua vida adulta.

Em seu artigo de 1946 “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides” Melanie Klein traz um relato detalhado acerca do desenvolvimento psíquico do bebê em seus primeiros três meses de vida. Neste período a autora afirma que o bebê está na posição esquizo-paranóide, cuja principal característica é a cisão, tanto do eu quanto do objeto. A mãe é uma mãe excindida: a mãe boa é aquela que o satisfaz, sendo que a mãe má é aquela que lhe nega a satisfação. A cisão do objeto que deriva da agressividade que lhe é dirigida acarretará também a cisão do eu, e segundo a autora, este processo se repete nos casos de esquizofrenia. Portanto, a resolução da posição esquizo-paranóide dependerá da capacidade do eu em transformar o objeto cindido em um objeto total possível de ser internalizado pelo eu à medida que este se identifica com o objeto. Este processo é determinante na instauração da estrutura psíquica, pois uma fixação na posição esquizo-paranóide poderá desencadear a psicose em um momento posterior da vida do sujeito. Entre três e seis meses o bebê passará à posição depressiva onde estabelecerá uma relação com o objeto total sendo que o sentimento de culpa e de reparação se constituirá como marcas em seu desenvolvimento. Nessa fase ainda haverá alternâncias entre a posição esquizo-paranóide e a posição depressiva, porém uma maior integração do eu tornará possível uma maior compreensão da realidade psíquica e melhor percepção do mundo externo. A culpa e o medo vivenciados nessa fase são resultado da agressividade dirigida contra o objeto amado e o impulso em reparar e proteger o objeto é que capacitará o eu para se relacionar melhor com os objetos sendo capaz de fazer sublimações, o que faz com que o eu se integre cada vez mais. A autora coloca que angústias arcaicas são vivenciadas nesse período, porém elas perdem força à medida que a posição depressiva é elaborada.

Ainda em “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides” Melanie Klein, (1946) afirma que no caso de o eu não ser capaz de fazer frente à angústia vivenciada nesse período e elaborar a posição depressiva, acontecerá uma regressão do mesmo à posição esquizo-paranóide, o que serviria de base para o desencadeamento posterior da psicose ou o fortalecimento de traços depressivos devido à desintegração cada vez maior do eu.

Para Klein (1946), a angústia é derivada da pulsão de morte assumindo especificamente a forma da agressividade.