quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Técnica Psicanalítica - Algumas Considerações



Segundo Freud, (1924 [1923]) em seu artigo “Uma Breve Descrição da Psicanálise” a psicanálise serve “... para revelar aquilo que por acordo universal fora reprimido para o inconsciente...”.

Logo podemos afirmar que a psicanálise é uma teoria que postula a existência de processos mentais inconscientes compostos de idéias (desejos sexuais) que não puderam ser satisfeitos na infância. Porém esses conteúdos recalcados insistem em retornar através dos sintomas, atos falhos, chistes e sonhos. O Sintoma é o retorno do recalcado e o que retorna é sempre um desejo. É uma representação substitutiva da idéia recalcada.

A psicanálise não tem como finalidade o desaparecimento do sintoma, mas a manutenção deste como via de acesso ao inconsciente. A suspensão do recalque e a emergência de um ser desejante capaz de reconhecer a castração e de suportar a falta.

Freud no artigo “Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanálise” afirma que o método psicanalítico é simples consistindo em não dirigir a atenção para algo específico e em manter a mesma “atenção uniformemente suspensa” (atenção flutuante) em face de tudo o que se escuta.

A atenção flutuante é a contrapartida da associação livre que é a regra fundamental da psicanálise. O paciente deve falar tudo o que lhe vem à mente e o analista deve escutá-lo sem se preocupar em reter a fala do paciente, buscando no aposteriori da sessão o significado daquilo que escuta. As intervenções são dirigidas de forma a revelar o sentido inconsciente da fala do paciente.

Ressaltamos também que a condição necessária para que um tratamento psicanalítico vá a termo é a transferência. A transferência é o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam no quadro da relação analítica.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

As Faces da Angústia na Teoria Psicanalítica



A primeira teoria freudiana da angústia se constitui a partir dos estudos sobre as neuroses de angústia (1895[1894]). A perspectiva é de uma “má utilização da energia da libido”, ou seja, libido(energia sexual) não descarregada que se transformaria em angústia.

Freud (1926[1925])) em seu artigo Inibição, Sintoma e Angústia, introduz a segunda teoria da angústia, definindo-a como um afeto cujo caráter acentuado seria o desprazer, com a emergência de sintomas físicos ligados diretamente a alguns órgãos do corpo — algo que se sente — e que seria a causa do mecanismo defensivo nomeado de recalque, produtor dos sintomas neuróticos.

Freud (1926{1925]) , nesse mesmo artigo, vai considerar o desamparo biológico vivido pelo bebê, no momento do nascimento, como o protótipo da experiência da angústia. É a separação do bebê do corpo da mãe, o excesso de excitações advindas do mundo exterior e a incapacidade de simbolização desta experiência que levaria a um estado de desamparo, e que segundo Freud indicaria a primeira experiência de angústia vivida pelo ser humano.

Posteriormente, as experiências de angústia, funcionariam como uma sinalização da possibilidade de retorno da experiência de desamparo do sujeito, um sinal de perigo. Freud assinala aí uma importante passagem da angústia automática para a angústia sinal que permitiria ao sujeito um preparo diante do que poderia ser traumático.
Para Freud, então, o perigo é a ausência do Outro primário que no início da vida é aquele que atende as necessidades da criança impedindo a repetição da situação de desamparo originário.

A partir destas constatações é que Freud vai postular a angústia como causa e não conseqüência do recalque, entendendo-a como sinal de um perigo de ordem pulsional. A angústia é um sinal do eu diante de um perigo pulsional, ou seja, o retorno do recalcado. O recalcado é sempre um desejo que insiste em retornar, muitas vezes pela via do sintoma. O sujeito frente à eminência do surgimento de um desejo recalcado reproduz uma angústia já vivida, o que coloca em ação os mecanismos de defesa.

Lacan em seu retorno a Freud vai propor que a angústia é o único “afeto que não engana” e que surge sinalizando algo para o sujeito. Ele afirma que o trauma do nascimento não é a separação da mãe, mas o fato de que a criança ao nascer tem que aprender a respirar. Afirma, que este é o verdadeiro trauma original – uma invasão que o bebê sofre tendo que aspirar um ambiente totalmente Outro. Lacan vai colocar a angústia na sua condição de afeto central, em torno do qual tudo se ordena. Para ele afeto é algo da ordem da sensação e não um sentimento.

Lacan vai relacionar a angústia ao encontro com o desejo do Outro. É na confrontação do sujeito com o desejo do Outro que a angústia pode surgir. A questão que emerge é O que sou para o Outro? O que o Outro quer de mim? Essa questão que é sempre um enigma é geradora de angústia. Não é portanto, a ausência do outro que desperta a angústia, mas sim o enigma do desejo do Outro. Ser colocado na posição de objeto do desejo é o que faz emergir o desamparo e, conseqüentemente a angústia. (Uma impossibilidade de suportar a falta no Outro). O desejo do Outro é para Lacan o único lugar do qual o sujeito pode se apreender como desejante, sendo que na angústia o sujeito está em estado de total desconhecimento acerca desse desejo que lhe perpassa.

O que está em jogo na angústia é o momento em que o sujeito torna-se nada, objeto, quando falta o desejo, ou seja, quando falta a falta. A partir do momento em que o sujeito se vê diante do enigma do desejo do Outro, constituindo-se o objeto que virá preencher a falta desse Outro, vê-se diante de sua própria castração. Ao mesmo tempo em que o Outro não é capaz de satisfazê-lo plenamente, o sujeito compreende que também não é capaz de proporcionar tal satisfação. Para Lacan, a saída da angústia é o desejo, por isso afirma que o remédio para a angústia é o desejo.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

"O mal-estar na civilização"

A sociedade contemporânea com seu excessivo pragmatismo tem conduzido a humanidade a buscar um gozo sem limites. O que é vendido é “Você pode tudo!” ou “Você merece isso ou aquilo!” e ainda mais “Seja feliz! Realize seus sonhos!”. Um ideal de felicidade ligado ao consumismo leva as pessoas a tentar preencher seu vazio existencial praticando excessos. Compra-se muito, come-se muito, bebe-se cada vez mais, faz-se cada vez mais sexo e o mal estar nunca passa. O ideal do “eu posso gozar” não dá conta das conseqüências que vem depois. O sofrimento tem que ser evitado a qualquer custo, no lugar da tristeza Prozac, em vez de angústia, Rivotril. Assim, estamos diante de uma sociedade que não encara suas angústias, que não suporta nenhuma falta. Ironicamente, quanto mais medicamentos são colocados no mercado prometendo a tão sonhada felicidade mais aumentam o número de pessoas com depressão, síndrome do pânico, etc..

Freud em seu artigo “O mal-estar na civilização” afirma que o mal-estar é uma marca estrutural do ser humano. Para explicar essa máxima Freud coloca que o ser humano busca constantemente a realização da satisfação, do prazer absoluto, porém, essa satisfação é impossível de realizar num mundo carente e escasso de recursos. Freud afirma que o advento da civilização impôs ao homem uma perda de satisfação pulsional, o que serviu para revelar que o homem “não pode tudo”.

Segundo Freud todo sujeito nasce inserido em uma cultura caracterizada por coordenadas simbólicas herdadas da família. O bebê quando nasce já vem dominado pelo campo simbólico, que nada tem a ver com as leis da natureza. O homem está inserido na cultura e na civilização e é isso que o constitui como sujeito. É a partir da linguagem, dos símbolos, que o homem perde a relação direta com a natureza, e é isso que sustenta o que chamamos de “cultura”. Há então, uma condição estrutural: “não há sujeito fora da cultura”. O campo da linguagem constitui a cultura e a cultura constitui o sujeito.

A proibição do incesto traz consigo a perca estrutural que organiza a cultura. A lei do incesto estruturalmente quer dizer que o gozo absoluto é impossível e que, portanto, em toda cultura há um determinado objeto que naquela cultura simbolize que o gozo absoluto é impossível.

Para Freud então, o mal estar que existe na civilização é marcado pela travessia do Édipo, que possibilita ao sujeito amar outro objeto, que não seja a mãe. Essa impossibilidade de satisfação total instala o que chamamos de civilização. A civilização se organiza em torno da proibição da satisfação pulsional.

Ao contrário do que muitos pensam, o raciocínio freudiano nos ajuda a compreender que é necessário que o homem aprenda a conviver com a falta, com a angústia que o constitui e que nessa vida, não há como vivermos sem sentir alguma insatisfação.